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Bashô-An, onde se aprende o silêncio e a escuta em comunidade

Texto incluído na edição #4 da revista Budismo – Uma Resposta ao Sofrimento (Agosto, 2021)

Ao entrarmos no Dojo Bashô-An, em Setúbal, a sensação de comunidade envolve-nos e as palavras do monge Zen Manuel Simões são um reflexo da “chegada a casa”, que visitantes e praticantes sentem quando ficam frente ao branco da parede, para a meditação ZaZen, também simplesmente referida como Zen.

Neste dojo-casa, que abriu portas em 2016, são cerca de vinte, aqueles que vêm e vão, em diferentes horários. E foi durante um movimento destes, na jornada de 20 de Junho (2021), que Manuel nos conduziu à resposta sobre o que significa a “chegada a casa” sentida pelo grupo.

Simples, porque, “no Zen, como a totalidade dos seres possuem a natureza do despertar, todos os candidatos são aptos”. Aptos e bem-vindos à comunidade, para aprender o silêncio e aprender a escutar, em união.

Uma declaração de universalidade e igualdade que Manuel estende como ponte para explicar o Zen, enquanto movimento cultural a partir do qual nasceu a prática meditativa ZaZen, que levou à criação do Dojo Bashô-An.

Para Manuel o Zen “não é indiano, nem chinês. Tampouco coreano ou japonês. É universal”. Nasceu, cresceu e bebeu de todas essas culturas, como se fosse “água sempre fresca” que, “onde chega, mistura-se”, unindo e criando comunidades. Seguindo esta ponte, quando chegam ao Dojo Bashô-An os participantes não se sentam apenas no seu zafu. Sentam-se sobre os três pilares fundadores da casa: a contemporaneidade; o ser solidário; a eco-sabedoria.

Manuel conta-nos que “quando dizemos que o Zen é contemporâneo, queremos dizer que é experimentado por cada um, no mesmo tempo, como no início e desde sempre, mas sempre actualizado. Aqui e agora”. Depois, ancestralmente, o Zen sempre refere o “ser compassivo, ser generoso, ser paciente. E tudo isto se traduz no acto de ser solidário, consigo próprio e com todos os seres”. Quanto à eco-sabedoria, reflecte sobre a casa comum e o modo como a habitamos. Uma sabedoria que o Zen sempre cultivou no acto de “reciclar, vestir-se com tecidos utilizados, levar uma vida simples, não ter muitas coisas, não desejar, não se complicar a vida. A própria e a dos outros”.

Mas, para recordar o início, antes do Zen unir praticantes e criar raízes em Setúbal, Manuel fala-nos sobre a chegada do movimento cultural a Portugal, nos anos 70, pelos gestos e palavras do mestre Taisen Deshimaru. Acredita que “antes já haveria quem reflectisse sobre o Zen”, mas define a sua enraização a partir daquela época, quando Deshimaru passou por Portugal e realizou as primeiras “sesshin”, sessões prolongadas de ZaZen.

A presença do mestre foi vista como a afirmação definitiva do Zen em Portugal, uma vez que ele é considerado na Europa “como se Bodidharma fosse”, numa comparação com o patriarca do Zen chinês, que terá vivido entre os séculos V e VI. E foi também seguindo o caminho de Deshimaru que Manuel Simões bebeu a aprendizagem do Zen, agora partilhada no Dojo Bashô-An.

Rita Sales começou a prática meditativa no Dojo Bashô-An em 2017, depois de uma primeira experiência, anos antes, durante um período em que residiu na Suíça. O início da prática ZaZen coincidiu com o regresso de Manuel Simões do México, onde passara dez anos a trabalhar e a formar-se, vindo novamente fixar raízes em Setúbal. Momento em que “começou a reunir praticantes e a formar o dojo”, recorda Rita. Actualmente a aprofundar estudos sobre memória colectiva, a actriz e contadora de estórias reflecte sobre o sentimento que a preenche quando entra no dojo e vê os praticantes reunidos, cada um na individualidade da sua meditação. No momento em que, “nos sentimos e ouvimos nesta escuta silenciosa que nos une”. Depois de vários meses sem frequentar o dojo, devido à pandemia e ao facto de estar a viver numa aldeia do concelho de Mértola, no passado dia 20 de Junho, quando chegou ao dojo, o ritual da reunião, ao redor da sala, com cada um sentado frente à parede, no seu momento meditativo, fez com que Rita se sentisse “em casa, identificada”. Mas, nem sempre foi assim. No início da prática ZaZen Rita teve dificuldade em manter a frequência. A actriz considera-se muito “terra a terra” e não queria procurar respostas para os seus problemas pessoais “em algo de fora, que alguém um dia criou”. Apesar das dúvidas, Rita continuou e surpreendeu-se pelo “respeito à reserva que cada um quiser manter, ou aos laços que cada um quiser criar”. Encontrando o seu ritmo no silêncio do Zen, onde só ela tem as respostas, “devolvidas no olhar frente à parede branca”.

Já para Filipe Casi, que pratica Zen há cinco anos, a meditação e o seu ritual trazem “o entendimento das pequenas coisas que, na correria do dia-a-dia, passam despercebidas. Tão simples quanto isso”. A primeira vez que meditou segundo a prática Zen, tal como Rita, Filipe precisou de muita resiliência para continuar. No seu caso pensou que “era uma tortura”. Afinal, quem é que podia “aguentar uma hora sentado, no chão, com uma postura e respiração precisa”. O gestor de 40 anos recorda ainda, com bom humor, que pensou “o Zen deve ser uma coisa para treinar faquires, ou algo assim”. Mas o tempo trouxe as respostas e a “habituação à postura”. Sobre o percurso do Bashô-An, enquanto um dos frequentadores mais antigos do dojo, Filipe diz que “a dinâmica do grupo consolidou-se, desde 2016 até à actualidade. Apesar da prática Zen hoje não ter mais pessoas do que quando abriu portas, [cerca de 20]”. Quanto ao modo como o dojo é hoje visto a partir do exterior, Filipe afirma que “ainda há uma grande crença por detrás de tudo”. As pessoas ainda questionam “se a meditação não será algo demasiado calmo para elas, muito espiritual. Questionam se não será melhor ir ao ginásio, quando uma prática não interfere com a outra. Têm papéis diferentes”.

Claire chegou ao dojo depois de Rita e Filipe. Guarda um mistério e sabedoria de quem estará perto dos seus 70 anos. De origem francesa, estabeleceu-se na cidade sadina em 2018 e, depois de ter experienciado o Zen no Tibete e em vários outros dojos ao redor do mundo, o que a moveu a procurar a mesma experiência em Setúbal foi a já referida sensação de comunidade, de casa. Soube da existência do dojo em conversa com Rita, que lhe falou da particularidade do Bashô-An ser um lugar de meditação procurado por vários artistas locais. O próprio Manuel Simões, inclusive, sendo dançarino Butoh. A apresentação daquele local surgiu ao mesmo tempo que conhecia o trabalho apresentado pelo fotojornalista Alex Gaspar, também praticante Zen: a exposição “20 Setubalenses, 20 Artistas”, patente na Casa do Largo – Pousada da Juventude de Setúbal, entre Dezembro de 2019 e Fevereiro de 2020. A perspectiva de Claire sobre a exposição e o contacto com Manuel e Rita, dois dos artistas representados na mostra, foram decisivos. Queria conhecer aquele dojo com uma ligação tão próxima à arte. Diferenças, entre aquilo que encontrou e o que havia experienciado? Muitas. Claire é objectiva. Em Setúbal encontrou, não só, “a ligação às artes”. Mas, também, “simplicidade”. E, por fim, encantou-se pela ideia “de chegar, sentar e meditar”. No Tibete e em Lisboa, Claire havia experienciado uma prática mais “centrada no diálogo e no estudo”. Em Setúbal encontrou “proximidade e um sentido de comunidade, unida no silêncio da meditação”.


Apresentada a mensagem que quer passar no seu dojo, Manuel Simões, discípulo do Mestre Zen Soko, com quem iniciou a prática Zen quotidiana há vinte anos, encerra a reflexão com a história do samurai e do monge.

“Certo dia o samurai perguntou ao monge: “onde começa o Céu e onde começa o Inferno?”. “Perante esta pergunta e a perturbação da sua tranquilidade, o monge questionou: “mas quem és tu, com cara de assassino, que vem perturbar a minha paz?”. “Ao ser enfrentado, o samurai desembainha a espada e prepara-se para cortar a cabeça do monge, então este responde: “alto, aí começa o Inferno”. Com esta resposta o samurai voltou a embainhar a espada e então o monge concluiu: “e aí começa o Céu”.

Assim, o monge do Dojo Bashô-An resume a essência da casa e da prática que une esta pequena comunidade: conhecer-se a si mesmo, porque no final “todas as respostas estão em ti”.

Pode fazer aqui o download desta edição:
https://www.budismo.org.pt/download/4-budismo-uma-resposta-ao-sofrimento/