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Budismo Coreano, o Seon (Zen)

Textos incluídos na edição #4 da revista Budismo – Uma Resposta ao Sofrimento (Agosto, 2021)

Durante três anos pratiquei no Templo Zen do México, dirigido pelo Mestre Zen Samu Sunim, de quem recebi os preceitos e o nome budista de Toei (antigo rio).
O texto que se segue é uma pequena introdução ao Seon (Zen) coreano, uma vez que não existe quase nada em
português sobre o assunto, nem existe uma prática instalada da tradição do Budismo Coreano em Portugal.
O texto, a modo de introdução, é seguido de “Amor Ilimitado”, um texto de uma “Conferência Dharma” de Samu
Sunim, a que assisti pessoalmente e faço a tradução do texto em inglês, inicialmente publicado no boletim interno
Spring Wind.

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O Budismo Coreano distingue-se, de certa forma, de outras formas de budismo.
A Coreia é o único pais onde o Zen (Seon), esta corrente do budismo, se tornou a forma predominante no país, a corrente “oficial”. Procedente principalmente da linhagem chinesa do Chan, traduzido a Seon em coreano, e Zen em
japonês.
O budismo chega à Coreia, procedente da China, por volta do ano 400, cerca de 800 anos após a morte do Buda
histórico. Procedente diretamente do contacto de monges coreanos com discípulos de Doshin, o quarto patriarca do zen na china, ou mesmo com o próprio Doshin.
Trata-se de um budismo das origens, antes de separação em duas escolas no Japão (a Rinzai e a Soto), o que significa que ainda usa o ZaZen (a meditação sentada) e os Koans (perguntas-respostas, entre Mestre e Discípulo), em simultâneo, sem preferência por nenhuma das formas.
Diz-se que foi Beomnang quem introduziu a linhagem Seon. Antes havia um budismo “académico” que se conhecia como a corrente Gyo. Rapidamente, com a fundação do templo Porim-sa, na montanha Kaji, pelo monge Toui, a corrente Seon começa a crescer, e a enraizar-se, no que viria a ser conhecido como “as escolas das nove montanhas”.
A figura considerada mais importante do budismo coreano virá a ser Jinul (1158-1210). Este monge impulsionou um movimento que viria a chamar de “Comunidade Samadhi e Prajna” (meditação e sabedoria), para o qual fundou o templo Seonggwangsa, na montanha Jogyo, que é hoje o nome da principal ordem coreana.
É este monge Jinul e esta corrente Seon que vai unificar todas as” escolas das nove montanhas” sob aquilo que se conhece como “iluminação súbita surgida de uma prática gradual”.
É desta ordem Jogyo que surgirá Seung Sahn que virá a divulgar, a dar a conhecer e tornar-se respeitado no Ocidente.
Fundador da escola Kwan Um e da actual Internacional Kwan Um.
Desta mesma escola surge Samu Sunim cujo texto “Amor Ilimitado” se segue.

Amor Ilimitado

A minha mente é Paz,
a minha mente é Amor,
a minha mente é Felicidade.

Mestre Zen, Samu Sunim, Budismo Coreano (Seon)

AMOR, ERA O CÉU.
Feliz e contente. Ela permanecia vazia e ilimitada. Quando se aborrecia e se encontrava indiferente, estendia as suas
asas e percorria a vastidão do espaço como nuvem. Quando se sentia solitária e insatisfeita, ela transformava-se numa pequena estrela e contemplava a vasta vacuidade com um pequeno olho curioso.

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DEPOIS O AMOR SE FEZ ÁGUA.
Sendo água, ela, o amor, sentiu-se diferente. Tornou-se mais consciente da sua energia criativa e do seu poder. Sentiu surgir o calor e o seu corpo arder com intensa saudade pelo bem comum.
Explodiu para o infinito quando o calor e a saudade atingiram o limite. Então, para a acalmar, a tormenta e o relâmpago inundaram-na com chuva e vento forte. Consequentemente demorou muito tempo ao amor recuperar-se.
Logo, o mesmo processo de transformação repetiu-se uma e outra vez.
Finalmente, depois de 11 800 vezes de trabalho de parto (depois de 11 800 tentativas), ela, o amor conseguiu transformar-se numa matriz gigante que bebeu toda a água do céu e do oceano e tornou-a num fluido, uma solução dadora de vida.

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A matriz gigante ajudou ao céu azul e ao oceano azul a converter-se na boa terra-mãe.
A boa terra era fértil e paradisíaca.
A lua e o sol cooperaram um com o outro provendo a luz e a obscuridade da noite, para trabalhar, brincar e descansar. As diferentes estações foram o suporte da produção de alimentos e da recolecção.
O amor plantou uma variedade de sementes surgidas do seu coração. De tal modo que todas foram boas e foram o sustento de nova vida. Rapidamente as sementes começaram a germinar e a crescer. Tornaram-se campos, bosques
e selvas que atraíram as aves, insetos e animais e brindaram-lhes protecção.

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Encarnando o espírito do amor, a terra era pacífica e os seres sensíveis estavam contentes com o que provinha dela.
Contudo as coisas começaram a mudar.
A agressão e a violência nasceram com o advento dos carnívoros na terra do amor. Eventualmente a lei da selva dos débeis caindo presa dos fortes prevaleceu. No entanto a agressão e a violência era motivada por instintos como a fome e o medo, não por ódio e ressentimento.
O problema do sobre-consumo não se apresentava entre os mamíferos carnívoros. Gradualmente uma cadeia de
alimentação desenvolveu-se. Os débeis puseram-se alerta e aprenderam a proteger-se. De comum acordo, a agressão e a violência no mundo virgem e natural reinaram.

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O verdadeiro problema e a ameaça à paz e ao amor vieram a aparecer quando os humanos aprenderam a usar armas e começaram a conquista do mundo animal. O relato do que sucedeu aos seres humanos depois da conquista dos animais pertence à história.
Lutaram entre eles mesmos: tribos contra tribos, estados contra estados, religiões contra religiões e os oprimidos contra os conquistadores.

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Agora, com o desenvolvimento de armas de destruição massiva, contaminaram o ar e a água, e com as alterações climáticas os seres humanos encontram-se com a etapa final de autodestruição.
Frente a esta crise global estamos desesperadamente tratando de redescobrir a nossa raíz, a nossa origem e a base do nosso ser, isto é, o amor.
Com os avanços da ciência e da tecnologia fizemo-nos tão estúpidos que esquecemos que a história da vida é a história do amor.
No amor estamos interconectados com tudo, horizontalmente no espaço e verticalmente no tempo. Noutras palavras, somos um todo interconectado e estamos emparentados com todos os seres.
Este é o ensinamento budista do amor.

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É verdade que existem pessoas incrivelmente malvadas e que se cometem horríveis violações aos direitos dos seres humanos e animais no mundo. É verdade que muitos inocentes são vítimas de injustiça social e que o sistema de justiça se deformou.
A dor, a tristeza e as dificuldades que estas inocentes vítimas suportam frequentemente vão mais além da nossa
imaginação e compreensão. É doloroso e parte-se-nos o coração somente em pensar nisso.
É difícil não odiar a quem causa tanto dano e ainda menos perdoar.
No entanto, como disse Buda:
O ódio não acaba como o ódio.
O ódio só termina quando há amor
.”
Esta é a natureza do nosso coração, amor para perdoar com a finalidade de criar paz e salvar-nos a nós próprios.

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A prática do amor dá-se de muitas formas, inclusivamente de maneiras ocultas.
Basicamente estamos em amor com a vida, física, emocional e espiritualmente. Dois ingredientes dos mais importantes do amor são a paz e a felicidade.
Sem paz não há amor. Sem felicidade não há amor. No entanto sem o poder substancial do amor não haverá paz nem felicidade duradoura.
O amor é a mãe de tudo o que é bom entre os vivos. Mantém-te de pé e firme com amor e entrega a tua vida ao amor.

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Amem-se uns aos outros, incondicionalmente.
Ama aos estranhos, aos odiados, aos desprezados. Ama aos excêntricos e aos raros. Ama aos loucos e alucinados. Ama a todos para promover a paz e a felicidade. Ama a toda a gente com coração verdadeiro e ama até que doa. Tem fé no teu amor e não o traias.
Façamos funcionar o amor. Deixa que o amor trabalhe para ti e para o mundo. Começa a amar agora e nunca te dês
por vencido.
Devemos poder amar a todos para assim poder amar ao mundo. O amor trabalha e cura. O amor é assombroso.

Pode fazer aqui o download desta edição:
https://www.budismo.org.pt/download/4-budismo-uma-resposta-ao-sofrimento/